Soube hoje de uma decisão judicial recente que poderia deixar muita gente chocada, pensando ter havido censura ou cerceamento da liberdade de expressão. Um juiz de São José do Rio Preto proibiu a publicação de novos exemplares do livro “espírita” Voo da Esperança, que promete mostrar “a realidade espiritual por trás do maior acidente da aviação brasileira”, o ocorrido em julho de 2007 com um avião da TAM e que matou 199 pessoas. A obra psicografada pelo médium Woyne Figner Sacchetin (??) afirma que todos os passageiros do fatídico voo haviam sido de um exército romano 60 anos antes de Cristo e queimavam pessoas vivas. O acidente, portanto, seria o pagamento da dívida da outra encarnação. “Ontem vocês queimaram seres humanos, hoje veem seus corpos queimados”, diz um trecho do livro.

O mais curioso e absurdo é o nome do espírito que teria ditado o texto: Alberto Santos Dumont! Desde que desencarnou, em 1932, não se viu uma mensagem sequer do pai da aviação sendo transmitida nem mesmo por Chico Xavier. Por que ele se manifestaria agora para falar de um caso tão recente, delicado e doloroso ainda para nosso país? Nós, espíritas, devemos observar com seriedade casos como esse. Abaixo, texto escrito pelo editor-chefe do Jornal de Brasília, Jorge Eduardo Antunes, sobre o caso. Assino embaixo. Vale a reflexão.

Certos livros “espíritas”…

Jorge Eduardo Antunes
Editor-Chefe do Jornal de Brasília

Sexta-feira, fim de tarde, Roberto Ferreira, meu colega de trabalho, com quem ocasionalmente tenho conversas sobre vida após a morte e religião, me manda um e-mail. A mensagem conta que o juiz Antônio Roberto Andolfato de Souza, de São José do Rio Preto (SP), proibiu a publicação de novos exemplares do livro “espírita” Voo da Esperança, assinado por “Alberto Santos Dumont” e psicografado pelo “médium” Woyne Figner Sacchetin, e que estaria “explicando” a tragédia do voo JJ 3054 da TAM – ocorrida em julho de 2007, em São Paulo. O tal “livro
espírita”, na avaliação do juiz, tem partes que ofendem parentes das vítimas do acidente aéreo, o que motivou também um pedido de indenização de R$ 465 mil.
Como espírita praticante desde 2003, espero, sinceramente, que a proibição do livro seja permanente e que a indenização seja paga não só à vítima reclamante, como a todas as outras. E explico o porquê. O que me cativou no espiritismo foi o fato de a doutrina pregar a caridade como o principal motor da melhora da humanidade. Caridade que não significa distribuir dinheiro ou fazer apenas grandes obras, mas secar uma lágrima, falar palavras de consolo e amor e, às vezes, alimentar uma boca não só com o nosso bolso, mas com o suor do rosto.
Pois bem, pergunto ao leitor que chegou até a este ponto: onde está a caridade em escrever frases como: “Ontem vocês queimaram seres humanos, hoje veem seus corpos queimados” e “A providência divina, em sua sabedoria infinita, não colocou neste avião espíritos inocentes,
mas almas seriamente comprometidas com um passado de erros”? Em lugar algum. Não há caridade, apenas desrespeito à dor alheia e sensacionalismo. A tal “obra espírita” mostra uma vontade imensa de vender livros, de buscar notoriedade – e, o que é pior, usando o nome de Santos Dumont. Nem Chico Xavier, médium de amor e caridade, teve comunicações dele. É de se estranhar que, de repente, um alguém qualquer as tenha…
Esse tipo de “psicografia” sobre desencarnes coletivos não interessa a ninguém. Se fosse algo que merecesse credibilidade, a mensagem viria repleta de amor, de palavras consoladoras, de esperança verdadeira, e não de condenações a pessoas falecidas, que só servem para entristecer ainda mais os parentes enlutados pela perda. “Livros” como estes aumentam o preconceito em torno do espiritismo. Prestam um desserviço à doutrina e se chocam contra as máximas da crença – caridade, amor ao próximo e esperança de uma nova vida. E há espíritas, certamente sem estudo, que vão replicar este “livro” como uma “explicação” para a tragédia…. Tal como fizeram com uma psicografia falsa sobre a morte do menino João Hélio, plantada na internet pelos inimigos do espiritismo logo após a sua dolorosa morte nas ruas do Rio de Janeiro.
Como disse ao Roberto, vou recomendar a várias pessoas que boicotem o “livro”. Assim como estou fazendo agora. Não se enganem. Isso não é, nunca foi e nunca será espiritismo. Isso é charlatanismo. E dos piores.